sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O noivado


Olhava para ele fixamente, alguém poderia jurar. Sentada em seu quarto, de frente ao espelho, colocou-o no dedo e parou, perdeu-se ali. Lembrou-se do dia em que o ganhou com uma riqueza de detalhes que somente fatos tão marcantes podem oferecer. A sala do andar de baixo estava cheia, pessoas sorrindo umas para as outras de coisas que nem tinham graça. Conversas envoltas a fumaça, perfumes e falsidade. Garçons circulavam com suas bandejas de champagne e pequenas comidas sem gosto. A lembrança de como odiava tudo aquilo a fez estremecer. Um segundo e ela já estava em pé, ao centro, com ele ao lado. O sorriso perfeito, o cabelo melecado de gel colocado para trás, com um único fio a cair sobre a testa. O terno preto, o perfume enjoativo e a voz empastada. Olhou para o lado e sua mãe sorria, aquele sorriso forçado que só sua mãe podia dar e que só ela conhecia. Seus olhos estavam cansados e tristes, e nem mesmo com a maquiagem tão cuidadosamente feita, era possível disfarçar. Não para ela, pois ela conhecia a dor de sua mãe, isso porque sentia igual. Dentro daquele vestido apertado, sentiu falta de ar por um segundo. Então respirou fundo, levantou a cabeça, sorriu falsamente como sua mãe, estendeu a mão direita e sentiu o anel, com aquele brilhante enorme e frio, passar pelo seu dedo. Aplausos e um beijo molhado selaram aquela noite, tão fria e gigante na sua memória quanto seu anel de brilhante.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Sendo eu

Muitos já me tacharam de mal humorada. Pela manhã, não distribuo bom dias entusiasmados, não abraço meus pais na cozinha, não canto no chuveiro, não abro a janela, coloco a cara pra fora e abro um grande sorriso, cumprimentando o dia que amanheceu. Quase não falo. Não tenho o que falar de manhã, simplesmente, minha voz não sai. Dentro de mim, silêncio, preguiça, caretas. A verdade é que sou uma pessoa que pode ser considerada mal humorada por vários motivos, muitos podem pensar. Mas eu realmente sou mal humorada por agir dessa forma pela manhã? E quanto ao fato de não conseguir gargalhar de coisas sem graça? Ou de fingir uma alegria que não é minha? Ou não disfarçar meu descontentamento perante injustiças, grosserias ou falsidades?
Eu bem que queria ser dessas que estão sempre sorrindo, ser simpática, trazer junto ao meu corpo uma luz branca e irradiá-la por todos os lugares. Apesar de que conheço pessoas que de tão simpáticas são chatas. Quem quer que passe por ela, ganha um beijinho estalado (daqueles mandados de longe mesmo) ou uma piscadinha simpática, ou os dois juntos. Desagradável. Desnecessário. Não consigo ser assim. Respeito, mas confesso que tenho vontade de dizer “viu, menos”. A não ser que a pessoa seja do tipo palhaçona e faça disso uma coisa engraçada, porque quando cai pro lado da meiguice, ai... Dou beijos em quem eu realmente tenho carinho, pisco quando realmente tenho alguma outra intenção (não só segundas intenções), gargalho quando realmente achei graça. Porque senão, todas essas atitudes perdem sua força, perdem o encanto e se tornar comuns. 

É por essa e por outras que alguns já me julgaram mal humorada. Mas quer saber? Nem ligo. Hoje não mais.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Pequenas aventuras

Em alguns dias deste mês, já começamos a sentir em nossas peles suadas que o doce e agradável calor (mentira!) está chegando. Na primeira sexta-feira em que ele apareceu em Sorocaba, o povo do trabalho agitou uma vaquinha para comprar sorvete. Como há tempos não fazia uma boa ação por aqui, me habilitei. “Vai no mercadinho da tia, sabe onde é?” Não. Ok, caminho explicado (e na verdade, eu sabia onde era o mercadinho da tia), peguei a listinha contendo o sabor dos 3 potes, e ainda prometi voltar com muitas pazinhas. Mas fui avisada que isso não seria possível “Cuidado que é a tia é chata hein. Véinha do mal, vai implicar com as pazinhas”. Dei uma de valentona que não tem medo do perigo, coloquei o copinho plástico cheio de moedas e notas de 2 reais no meio do joelho (ele não poderia ir sozinho no banco do passageiro né) e fui. O mercadinho não ficava nem a 2 minutos de distância e estava vazio. Coloquei o copinho em cima do freezer e parti em busca dos sabores da lista: napolitano, brigadeiro e fruta (qualquer uma). Napolitano foi fácil, porque tá pra chegar o dia em que alguém vai abrir o freezer dos sorvetes e não encontrar o tradicional sabor 3 em 1. Fruta também foi fácil, afinal uma opção tão abrangente assim não tem como errar. Mas daí chegou a vez do brigadeiro. E fuça, mexe, derruba a pilha dos mini potes ao lado, rasga caixa dos sorvetes de palito e NADA. Já comecei a ficar com medo e esperar a hora em que a velhinha ia sair do caixa atrás de mim, dar um tapa na minha mão e puxar minha orelha.
“Será que tem de brigadeiro?” Perguntei para a tia com uma cara de decepção e tristeza. “Hmm, acho que só da Kibon”. Resolvi arriscar no freezer da Kibon, porque os 2 potes da Jundiá somavam só 21 reais e estava escrito na lista que eu tinha 43 em meu poder. Porém, para minha decepção, o brigadeiro da Kibon também estava em falta. A surpresa ficou por conta da tia, que em 1 minuto estava ao meu lado, me ajudando na busca e revirando o freezer pela segunda vez para garantir que eu não saísse dali sem o meu brigadeiro. “É, parece que não tem mesmo.” Bom, vou levar um parecido, pensei. E escolhi o Sonho de Valsa. Como não tinha ninguém quando cheguei, deixei os potes no balcão do caixa. Havia um moço na espera e eu aguardei que ele finalizasse sua comprinha (de 3,50 pagos com uma nota de 50 – espera o troco...). Quando ele acabou, minha vez. Só que incrivelmente, a fila aumentou numa rapidez inacreditável! Senti olhares desconfiados quando a tia começou a passar meus sorvetes e ainda mais ferozes quando derramei o copo de moedas sobre o balcão. E começa a contagem: 5, 10, 20, 21, 22, 25, 28, 30. “Ué, mas aqui tá dizendo que tem 43 reais no copo... Ai, cancela o Sonho de Valsa”. Esperei apreensiva uma resposta mal educada, mas mais uma vez a tia me surpreendeu. “Leva outro Jundiá, o de Bombom! É parecido...”. Virei, peguei o sabor bombom, roubei todas as pás possíveis naquele momento (o que foi um pacote fechado com umas 30) e terminei minha compra, passando ainda separado um sorvete de palito individual que estava na lista. “Ai, comprar sorvete pro escritório dá nisso né...”. Ela sorriu para mim, colocou os sorvetes na sacolinha, recolheu minhas moedas, colocou no copo e finalizou “Quem sabe da próxima vez não tem o de brigadeiro...” “É, quem sabe!”. Sorri, peguei minha sacola com as 30 pazinhas dentro e fui feliz para o carro, mesmo sem o brigadeiro na sacola.


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Juliana Lopes Chaves

Há tempos venho adiando meu começo. Desde os primeiros anos na escola, redação era a minha parte favorita dos estudos. Escrever sobre as férias, sobre o cachorro, o Dia do Índio, da Água, da Árvore, sempre me deliciava naquelas 25, às vezes (que alegria!) 30 linhas. Em concurso de frases fazia a minha e das amigas, e muitas vezes as que escrevia para elas se sagrava campeã. Não ganhava créditos, mas ficava feliz por ter ajudado a amiga e por escutar a minha frase ser lida em voz alta pela professora para toda a classe. Mas e daí se meu caderninho de redação tinha estrelinhas e “muito bom”, “parabéns”, “excelente” espalhados pelas páginas? Era só um caderno mesmo... Nunca pensei em fazer daquilo algo a mais. E também, eu tinha só 12 anos.
E mesmo agora, já sendo quase formada em Publicidade e Propaganda e trabalhando como redatora, não tive o estalo de começar a escrever num espaço só meu. Não que eu não tenha idéias, pelo contrário, mas elas saem numa conversa com o retrovisor do carro, numa confissão para o chuveiro ou em um desabafo no travesseiro. Nunca nas palavras escritas. Talvez escrever seja daquelas coisas que, se você não conhece, não sente falta, mas depois da primeira vez, ah... aí sim. O vício toma conta e os dedos tremem implorando por alguns minutos de trabalho intenso e quando isso acontece, não tem mais volta. Acho que por isso adiei tanto meu começo, por medo de perder um tempo ocioso esparramada no sofá ou assistindo a uma série. 

Mas acho que chegou a hora. Só, por favor, não repare se não for assim tão bom.