Eles estavam juntos há muito tempo. Muito tempo. Seus pais eram melhores amigos e por isso, cresceram juntos. Durante a primeira infância, brigavam muito, mas já aos 10 anos se consideravam namoradinhos. E assim foram, namoradinhos, até os 15 anos quando decidiram formalizar e comprar alianças de compromisso. Sempre estudaram na mesma escola, na mesma sala. O curso de inglês era junto, e as aulas de dança dela eram na mesma academia que ele fazia judô. Tinham poucos amigos, pois preferiam passar o tempo só os dois, indo ao cinema – sempre revezando entre os romances e épicos, os preferidos dela, e as comédias e filmes de ação, os preferidos dele –, tomando sorvete, andando de bicicleta no parque e ouvindo as músicas favoritas no quarto. Após terminado o Ensino Médio, se dedicaram no cursinho para passar na mesma faculdade pública, ela em jornalismo e ele em veterinária. Conseguiram. Seus pais, que sempre apoiaram o relacionamento, ajudaram a escolher um apartamento pertinho do campus. Juntos, eles também decoraram o lugar com muitas fotos e objetos significativos para a história dos dois. No dia da mudança, os seis posaram para uma foto na sala, onde também ficaram imaginando o dia em que a família aumentaria. Eles queriam ter filhos, morar numa casa com piscina e ter um pastor alemão, um papagaio e um furão. Ele cozinha maravilhosamente bem e ela, amava a comida dele. Em todos os lugares que iam, eram chamados como o casal modelo. O casal perfeito, nascidos um para o outro, almas gêmeas. Eles eram felizes e acreditavam mesmo nisso, acreditavam que eram perfeitos um para o outro. Até que, depois de 5 anos morando juntos no campus da faculdade, ela disse a ele que precisava conversar. Ela havia se apaixonado por outro. Sem palavras, ele apenas escutou. Ela disse que o conheceu há 1 mês, na palestra que um jornal da Capital deu para a sala dela. Ele era um consagrado jornalista e ela simplesmente soube, quando o olhou pela primeira vez, que era com ele que ela queria passar o resto da sua vida. Contou como passaram a se encontrar todos os dias e que foi algo simplesmente inevitável. Ainda em choque, ele a viu levantar e fazer suas malas. Antes de sair, ela parou em sua frente, olhou em seus olhos e lhe deu um beijo na bochecha. “Vamos nos casar. Me perdoe, eu sinto muito por te deixar assim. Mas é incrível como combinamos em tudo e como temos os mesmos sonhos, compartilhamos os mesmos gostos. Em 1 hora de conversa já sabíamos tudo um sobre o outro e... Bem, estou indo morar com ele na Capital, você pode ficar com este apartamento e os móveis... Espero que um dia possamos ser amigos.” Ela esperou alguns instantes, mas ele não teve nenhuma reação. Então ela se virou, pegou as malas, abriu a porta e pouco antes de sair, o ouviu falar: “Hoje, dia primeiro de dezembro, dia que completamos 5 anos morando aqui, eu comprei um anel de noivado pra você, um idêntico ao que há 8 anos você viu e se apaixonou na vitrine do shopping que íamos todos os dias. O gravei na memória durante todos esses anos e mandei um joalheiro fazer, com todos os mesmos detalhes. Acho que você não percebeu, mas comprei os ingredientes para fazer o seu prato favorito, aquele risoto de camarão que a sua avó costumava fazer na sua infância. Durante o jantar ia te pedir em casamento, recitando o poema de Vinícius de Moraes que você as vezes resmunga dormindo. Depois, ia te servir a torta de creme com nozes que você comeu na nossa viagem pra Buenos Aires, há 2 anos. Você disse que aquela era a melhor torta que você comeu na vida. Pensei, por fim, dançar com você ao som da música que dançamos no seu baile de 15 anos. Pensei em todos os detalhes que pudesse te fazer feliz. Mas agora, depois de ouvir tudo o que você acabou de me dizer e te vendo parada aí, de malas na mão, eu vejo que na verdade, eu não sei quem é você. Acho que nunca te conheci...” Ele parou de falar quando as lágrimas finalmente começaram a cair. De cabeça baixa e sem olhar para trás, ela saiu e fechou a porta atrás de si.